sábado, 14 de março de 2009

Capítulo 3 - Fogo e Trevas III

O demônio de fogo e trevas abriu a mandíbula e levou o hobbit à boca. Desesperado, Milo enfiou a mão em sua bolsinha e começou a jogar sobre o monstro tudo o que tinha lá dentro. As quinquilharias não faziam nenhum efeito, mas de repente o pequenino sacou um frasco diminuto, contendo o que parecia ser água, e o arremessou entre os olhos da fera.

O recipiente se quebrou e algo extraordinário aconteceu. Ao contato com o líquido, o rosto do demônio começou a borbulhar, derreter e corroer, como que atingido por ácido!

A fera deu um urro e largou Milo, que por ser ágil, pequeno e muito leve deu uma cambalhota e caiu suavemente no chão, sem se ferir. Ele, mais do que ninguém, estava surpreso com o que acabara de fazer.

- É água benta – anunciou Zamir, enquanto preparava ataduras para amarrar o braço quebrado de Alana – Parece que o nosso amiguinho andou vasculhando o bolso de algum sacerdote.

- Isso muda tudo – murmurou Ares, tentando pensar numa tática de luta – Grammal! – ele gritou – Preciso de algum tempo. Será que você pode distrair o demônio?

- Deixa comigo – sorriu o semi-orc, e fez o que achava mais prático. Ainda sob os efeitos da força descomunal do feitiço de Alana, ele ergueu sobre a cabeça uma pesada coluna de pedra. O fragmento era feito de granito e deveria ter quase uma tonelada! Mas isso não o impediu de jogá-lo sobre o monstro, que, ferido, não conseguiu se desviar.

A pilastra bateu no peito do demônio, que desabou de costas no solo, e lá ficou, imprensado sob a pilastra. Dentro em pouco se libertaria, mas aqueles instantes seriam suficientes para Ares.

O cavaleiro atravessou a câmara e segurou o braço do hobbit.

- Milo, você tem mais um daqueles frascos?

- Olha, Ares, você me desculpe. Eu sei que era um utensílio de igreja, e a gente tem de respeitar os deuses, mas eu ia devolver... Eu juro!

- Responda a pergunta – cortou o cavaleiro, impaciente. Cada segundo era precioso – Você tem mais algum com você ou aquele era o único?

Milo pôs a mão na bolsa, não achou nada, e foi vasculhar a algibeira. No momento seguinte tirou um segundo frasco, idêntico. Ares logo percebeu que era mesmo água benta. O recipiente de vidro tinha o símbolo de Audrion, o deus do Sol.

- Vou ficar com isso – avisou, correndo para o outro extremo da sala – E você, mantenha-se longe da linha de combate.

O cavaleiro rolou até o lugar onde estava o arqueiro Naga, protegido por uma enorme laje de pedra tombada. Segurava o arco, atento, com uma flecha preparada, mas todos os seus disparos até ali tinham sido inúteis contra o demônio de fogo e trevas.

- Naga – disse Ares – Você consegue amarrar este frasco na ponta de uma flecha e acertar a boca do demônio?

O arqueiro pegou o recipiente para sentir seu peso.

- É pequeno... Acho que consigo, mas vai ser um tiro difícil.

- Do que você precisa?

- Primeiro, de uma distração. Depois, preciso que o monstro abra a boca.

- Vamos tentar. É nossa única chance – falou Ares, e antes de entregar definitivamente o frasco a Naga borrifou algumas gotas de água benta na lâmina de sua espada – Garanto que isto vai assustá-lo.

Enquanto isso, na zona de combate, o demônio se recuperava, e forçou para o lado a coluna que o prendia, libertando-se. Voltou à batalha ainda mais furioso, agora determinado a matar os heróis.

Por um minuto, a fera vasculhou a sala com o olhar, à procura de Milo, que o havia ferido gravemente. Mas o hobbit a essa hora já estava bem escondido, então o monstro se virou para Zamir e Alana.

A feiticeira continuava caída, quase desmaiada de dor pelo braço quebrado, e Zamir tentava improvisar uma tala. Mas quando ele viu o demônio se aproximando com todo o vigor, não teve opção a não ser enfrentá-lo. Ares e Grammal ainda estavam distantes, e a criatura, muito mais alta e com pernas mais compridas, obviamente corria mais rápido.

Quando o monstro de fogo e trevas brandiu seu machado, Zamir invocou um feitiço, chamado escudo arcano, e no instante em que a lâmina desceu foi repelida por um muro de força quase invisível, que protegia a dianteira do bruxo.

Surpresa, mas não espantada, a fera levantou novamente o machado flamejante para uma segunda investida, agora mais forte. Mas na hora em que o demônio esticou o corpo para tomar impulso, Ares surgiu de trás de uma laje e pulou com a espada em riste. O fio da arma acertou o demônio bem no queixo, de baixo para cima, e como o aço fora umedecido com água benta fez um corte profundo na mandíbula do inimigo.

Sentindo o golpe, o demônio abriu a boca para gritar, e Naga enxergou a oportunidade. Escondido no outro lado da câmara, o arqueiro mirou uma flecha no rosto da criatura. Na ponta da seta havia amarrado o pequeno frasco, e no momento preciso disparou!

A flecha cortou o ar, atravessou as presas do monstro e ficou fundo em sua garganta. Quando a fera cerrou os dentes instintivamente, o recipiente estourou dentro dele, e um evento horrível teve início.

O líquido correu por dentro da besta, derretendo primeiro a cabeça. Os olhos vermelhos saltaram, como labaredas numa fogueira, e os chifres amoleceram. O corpo decaiu e dentro em pouco o temível demônio de fogo e trevas era só uma massa de lava incandescente no antes gelado chão de rocha da sala.

- Bom tiro – elogiou Grammal, aproximando-se de Naga.

- Como doce na boca de criança – brincou o arqueiro.

Do outro lado da câmara, Zamir parecia cansado. O encanto do escudo tinha consumido muito da sua energia.

- Era um oponente formidável – falou o bruxo a Ares, que já se ajoelhava para assistir Alana - Se ele era só um guardião, então ainda vamos ter problemas aqui.

Ali perto, a feiticeira estava tremendo, em choque pela dor lancinante. Sangue pingava através do osso partido.

Deixando sua espada de lado, Ares tocou, com uma mão, o cotovelo da moça, e com a outra procurou esticar o ombro. Alana deve ter sentido, porque despertou do torpor com um grito, mas logo depois a agonia passou.

Curioso, Milo surgiu da escuridão e se aproximou. Viu que as mãos do cavaleiro coruscavam com um estranho brilho mágico, e aos poucos o braço de Alana começou a voltar ao lugar. O osso rejuntou as extremidades partidas, e o ferimento fechou, restando apenas um leve hematoma sob a pele.

Espantado, o hobbit deu um passo atrás. Nunca antes vira Ares invocar qualquer tipo de mágica.

- As mãos que curam – explicou Zamir, neutro.

- É feitiçaria? – quiser saber Milo.

- Longe disso. É uma habilidade comum aos paladinos de Shara. Entenda isso mais como um dom, um presente da divindade. É a deusa que escolhe quando e quem o cavaleiro pode curar. E nem sempre ele consegue.

Quando Alana se recuperou plenamente e a massa negra que antes era o demônio de fogo e trevas esfriou, Zamir lembrou-se de quem tinha iniciado aquela desordem, e tocou sinistramente o ombro do hobbit.

- Agora nós vamos ter uma conversa, amiguinho.

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